domingo, 29 de março de 2020







“Sendo a prova o meio objectivo pelo qual o espírito humano se apodera da verdade, a eficácia da prova será tanto maior, quanto mais clara, ampla e firmemente ela fizer surgir no nosso espírito a crença de estarmos de posse da verdade.” (Nicola Framarino dei Malatesta – ADVOGADO – A lógica das Provas )

Estive meio sumido.
É que estive atuando em dois Júris seguido no mês que passou e tive que estudar com afinco para conseguir o melhor resultado para meus clientes.
Por coincidência ambos os crimes se tratavam de homicídios com o uso de arma branca (faca) e com as qualificadoras do motivo fútil e recurso que dificultou a defesa do ofendido.
Não querendo me gabar...
Ambos acabaram condenados sim, mas no homicídio privilegiado (artigo 121 §1.º) onde um deles foi solto no mesmo dia, após ter ficado quase dois anos preso e o outro sequer ficou um dia preso.
Adrenalina pura.
Cada dia mais me apaixono pela fascinante arte que é a atuação no Plenário do Júri.

Mas quero contar sobre outro júri.
Este foi feito por um grande amigo meu e também tribuno dos mais respeitados na arte da defesa no Júri, somando bem mais de 200 atuações, sempre brilhantes nesta trincheira.
Esta semana que passou, ao final de uma audiência fui ao plenário prestigiar este amigo que lá atuava e tive a chance de ver o finalzinho deste Júri .
Mais uma vez constatei a importância crucial da exploração das provas para uma boa defesa.
O  ilustre colega estava com o seguinte “abacaxi” nas mãos:
O cliente respondia por duplo homicídio, sendo um consumado e outro tentado.
O fato se desenrolou dentro de uma locadora de vídeo.
As vítimas, uma delas cliente do estabelecimento teria deixado de devolver algumas fitas que locara e quando o réu (dono da locadora) ligou cobrando, foi atendido pela mãe das vítimas com quem  acabou por se desentender ao telefone.
A mãe reclamou aos filhos que teria sido ofendida e estes foram até a locadora, no final do expediente, para “tirar satisfações” com o dono do local, ocasião em que houve os crimes.
Duas versões foram apresentadas e pautaram toda a instrução.
A vítima sobrevivente alegava que apenas conversavam com o comerciante quando este sacou de uma arma e atingiu os irmãos, sendo que um foi  ferido de morte no rosto e abdômen e o sobrevivente ferido no abdômen e maxilar, sustentava que em momento algum tentaram agredir o réu.
O réu, por seu lado, suscitou que teria sido atacado por ambos sendo que um deles sacou de uma arma, ocasião em que ele teria se atracado com o agressor e os disparos que se seguiram neste embate teria ferido os irmãos.

Ilustres !!!!
Aqui reside a beleza e a arte de atuar no processo criminal do Júri explorando as provas.
O ilustre colega, utilizando o laudo pericial,  provou de maneira cabal e irrefutável que a vítima sobrevivente foi ferida no maxilar com um tiro transfixante e que fora dado “a queima roupa”.
O chamado tiro à queima-roupa é aquele disparado a menos de 40 ou  50 centímetros da vítima (varia conforme a bibliografia utilizada). Os efeitos do projétil somam-se aos da explosão que ocorre no  intervalo entre o cano e a vítima, deixando sinais característicos chamados de tatuagem,  produzida pelo disparo em volta do orifício de entrada.
Também o disparo apresentava trajetória de baixo para cima.
Com a exploração destas provas, demonstrada com grande maestria pelo defensor, outro caminho não restou ao corpo de jurados senão acolher, por unanimidade a tese segundo a qual os disparos ocorreram no contexto de uma luta corporal e não conforme teria informado a vítima sobrevivente.
Final da história, que tive o privilégio de assistir de pé, junto com todo o plenário.
Lidos relatados passo a ler a sentença.... (...)
Nas duas séries (crimes)
Ao terceiro quesito, Por 04 (quatro) votos ou mais os jurados absolveram o acusado, reconhecendo, assim, a tese de LEGÍTIMA DEFESA.
 ANTE O EXPOSTO e considerando que o Tribunal do Júri, soberano em suas decisões, decidiu que o réu “fulano de tal” não praticou o crime de homicídio qualificado contra a vítima “beltrano de tal”, e “sicrano de tal”, ABSOLVO-O do delito a ele imputado, conforme disposição do art. 386, VI do CPP.

Parabéns ilustres colegas que conseguem todos os dias feitos maravilhosos como este, e embora acabem esquecidos nos escaninhos de algum fórum é certo que sua sagrada missão está sendo cumprida.
A defesa está com a palavra e tem uma hora e meia para apresentar sua tese....